O bairro é residencial. Entre uma esquina e outra vejo uma placa no portão que diz “costureira”. Você provavelmente já viu algo assim, levou uma calça pra apertar ou encomendou uma peça diferente, né? Perto da minha casa, em Cotia, São Paulo, a pessoa por trás da máquina de costura se chama Mariza de Oliveira, 60. Bato palmas para avisar que cheguei.
– Moço, a sua calça está pronta. – diz ela ao homem que caminhava atrás de mim, que já aproveita para organizar o pagamento.
Em 2013, depois de 26 anos morando em Israel, ela decidiu voltar ao Brasil. Judia nascida entre gentis, como são chamadas as pessoas que não fazem parte da religião, foi em Tel Aviv que desenvolveu sua criatividade com a costura e, com orgulho, mostra suas anotações e livros em hebraico.
Mariza apresenta com carinho os materiais que usa em seu trabalho, onde se vê como uma artista. Para ela a criatividade para fazer as peças não é uma posse, mas uma energia coletiva que se você não captar alguém pode fazer primeiro. E explica que “a criatividade pra mim é como uma orquestra sinfônica cósmica em que cada um é uma nota, mas juntos formamos uma bela sinfonia”.
Meu nome é coragem
O ateliê é adaptado em uma cozinha ao lado do quarto dela e assim não incomoda a mãe, que já tem idade avançada, com o barulho da máquina e seus trabalhos de madrugada. Além do baixo salário na indústria, Mariza aponta os motivos de trabalhar em casa: “Quando fui fazer estágio, em São Paulo, muitas funcionárias não podiam sair para ir ao banheiro duas vezes por dia que a empresa desconfiava que estava grávida e chamava no departamento pessoal”.
Entre suas linhas, tecidos, lápis e peças de roupa que se acumulam sobre a mesa, ela diz: “Meu nome é coragem”. Muitas das mulheres na indústria, lembra Mariza, “usavam fraldas para não precisar levantar das máquinas”. Vale destacar que a indústria têxtil no mundo, ocupa o segundo lugar na exploração de trabalhos análogos à escravidão, 71% das vítimas são mulheres, apontam dados da pesquisa The Global Slavery Index 2018, da Fundação Walk Free.
Trabalhar de casa pode até demorar um tempo para pegar a clientela, mas pega. “Às vezes não tem cliente, mas sabe que eu não reclamo? Eu faço ‘oba! Agora vou poder fazer aquilo que eu estava pensando’ (risos)”. Mas o que ela mais quer agora, e até faz seus olhos brilharem enquanto descreve, é poder dar aulas de costura em casa. “Eu acho que consertar roupas não dá dinheiro, porque você não cobra as horas que você passa naquilo. Estou reunindo umas quatro pessoas pra eu abrir uma turma e ensinar tudo o que sei”.
Inconformada com a qualidade das peças vendidas por fast fashions, ela conta que muitas roupas malfeitas chegam ao seu ateliê para reparos, enquanto caminha mostrando erros nas que foram deixadas por seus clientes. “A peça chega aqui sem anatomia. Roupa pra mim tem que vestir, tem que estar junto com o corpo, acompanhar o corpo e não o corpo acompanhar e se adaptar à roupa” diz. “A moda no Brasil ainda é muito difícil. Só de ver dá vontade de chorar”.
Acompanhe abaixo mais detalhes sobre o depoimento de Mariza, que viu de perto trabalhos análogos à escravidão em São Paulo:
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